sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Canto de Kwaray

Em minhas danças
E andanças,
Lanço meu canto em meio às vozes da multidão.
Depois, paro para ouvir o encontro desses sons:
Não só quero sentir se fiz música em alguns ouvidos,
Como desejo saber em que tom devo cantar novamente
Para os que não se emocionaram.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Réquiem ao homem preso


18 de novembro de 2011,
O dia parece calmo.
Às 5 horas da manhã,
O sol ainda não nasceu.
No campo, os galos cantam,
Como cantam todas as manhãs.
Mas hoje é um dia diferente,
Embora seja como outro qualquer.
Às 5 horas da manhã,
O orvalho da noite ainda molha as ruas da cidade,
Os cães ladram à toa, a toda hora.
Aqui, acolá e mais acolá, alguém pedala para o trabalho.
Não há bêbados na rua,
Nem bandeiras desfraldadas,
Nem um acontecimento importante na véspera.
O time da massa empatou
(E já perdeu a esperança do título).
Às 5 horas da manhã:
A cidade acordando para mais uma sexta-feira clichê.
Mas, embora seja um dia qualquer,
É um qualquer diferente.
Um acontecimento novo,
Embora pareça um filme em reprise.
Às 5 horas da manhã, o sono parece sem fim:
Tranqüilo, como quem enxerga de fora a sua consciência.
Não há peso no travesseiro,
Nem aperto no peito pelo dinheiro que falta para o que era, porque foi tirado.
Nem lhe constringe o coração o doente
Que, às cinco horas da manhã, geme na maca:
Não há leito no hospital.
Mas o homem tranqüilo
Dorme tranqüilo às cinco da manhã.
Sua esposa felicíssima encanta-se ao lado do melhor homem do mundo.
Talvez tenha sido loucamente possuída
Ou desejado que isso acontecera.
Ao lado do melhor homem do mundo, bastam os sonhos.
Dorme tranqüilo às cinco da manhã
(Ele sonha com planícies verdes, como o verde das notas que guarda em seu cofre).
Às 5 horas, este homem, mesmo dormindo, é só orgulho do que fizera.
(Daqui à meia hora, aquele outro homem da maca vai morrer: o seu leito foi parar no cofre do homem que dorme tranqüilo ao lado de sua esposa).
Mas é um dia qualquer com um qualquer diferente.
Às cinco da manhã, ele vai ser acordado:
Há um mandado de prisão a ser cumprido.
(A esposa vai soluçar no canto do quarto: o bom homem preso. Ele que, no dia anterior, deu oferta na igreja e pediu a benção ao pastor – um pedaço do leito do homem sem leito que morreria na maca foi a dádiva, alegrando o reverendo).
Este homem público preso!
Sacudido em sua glória!
Que felicidade aos cidadãos!
Alvoroço na cidade,
As verdadeiras boas almas regozijam felizes e discursam nas ágoras do silêncio:
Que o cárcere lhe seja eterno!

Elio Oliveira Cunha



quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Qualquer dia


Como um dia qualquer
Na vida de muitos
Mas para você será ímpar
Nunca mais se repetirá
Cortina do tempo cerrada

Os amigos vão tomar cerveja
Comer quitutes
Contar piadas e falar de futebol
Uma palavra ao acaso
Dita entre risos ou falatórios
Fará lembrar de seu
O que só lembrança poderá ser
E uma imagem de seu ocaso
Ressurgirá embaçada

Como um dia qualquer
Na vida de muitos
Mas para seus amigos não haverá par
Nunca mais se descortinará
Serão como os antigos soldados romanos
Caídos nos campos de guerra
Como os velhos piratas bêbados
Que mourejavam nos lupanares de idos séculos
Como cantigas de lavadeiras entoadas ao vento
Perdidas como se nunca existido tivessem

E você
Que desde a partida solitária
Passou a morar em pensamentos de cabeça de outros
Que se tornara cinzentas centelhas eletroquímicas
(Aquele álbum de fotografia fez chorar gentes
E pode ter sido real
Tal qual você algum dia fora)
Não resistirá à borracha de Titã
Impiedoso menino que só quer brincar
E não faz memória do que cria

Elio Oliveira Cunha