Remexendo velhos papéis em casa, encontrei uma história que, segundo o
autor, é coisa do folclore político brasileiro. Conta que, numa província
distante do Brasil, um político, não muito afeito às regras da gramática,
conseguiu, suplantando as vontades dos homens cultos daquelas plagas, eleger-se
governador. Em princípio, quando se lançou ao pleito, poucos, até os mais
otimistas, pelo seu lado, acreditavam ser a vitória possível. No entanto, veio
o resultado final, e, para dissabor dos céticos oposicionistas, o dito político
chegou, por meio focinho, como se diria numa corrida de cavalos, aos louros da
disputa.
Bom, político eleito, mesmo contrariando, se me permitem um pleonasmo, ao
bom senso dos sensatos, tem que ser empossado. Dessa forma, o nosso homem
sentou-se na cadeira-mor da província. Cá não me recordo se, na solenidade de
posse, ele estava usando seu característico chapéu e nem me lembro das sábias
palavras proferidas por ele nesse dia (com certeza, não muito distante em
estilo e em conteúdo de seus memoráveis discursos de campanha), mas o certo é
que, se não manifestara isto claramente, havia em seu coração e gesto de
rastaqüera, a inequívoca intenção de administrar o Estado consoante a uma
fazenda.
Sua capacidade de governar tem muito surpreendido aos sapientíssimos
conhecedores da ciência política e da administração pública. E se fosse dado a
Montesquie, criador da teoria dos três poderes, oportunidade de se levantar do
túmulo, em que há tempos jaz na paz eterna e longe das balbúrdias mundanas, e
conhecer como a tal divisão dos poderes funciona na província de nosso
personagem, sem dúvida, ficaria embasbacado. Não conseguiria entender como um
homem – que, segundo dizem algumas pessoas, se jactancia do fato de não ter
estudos, coisa que, particularmente, não acredito ser verdade e reputo tais
acusações às mentes insidiosas desse país, talvez a algum professor
insatisfeito -, pois bem, não conseguiria entender como um homem de parcos
conhecimentos escolares seria capaz de subverter de maneira tão prática a sua
tão decantada teoria da separação dos três poderes.
O texto, que tive a felicidade de achar entre meus antigos e
desimportantes guardados, não se atém, de maneira exaustiva e científica, à
análise desse fenômeno. Contenta-se em relatar como ele funciona. Segundo o
autor, a província fora concebida como se fosse uma fazenda. A sua
administração cabe a um sistema interessante. É que em vez de três poderes,
três currais. Isso mesmo, na fazenda, constam três currais. Há um curral que
administra, outro que legisla e outro que julga. Nas letras da lei, são
independentes, mas, aqui se diga, sem muitas explicações, que os dois últimos
são subordinados ao primeiro. Por mais que aperte minhas têmporas, e contorça
meu nariz, não consigo compreender o mecanismo que regula o funcionamento de
tal arranjo. Única coisa que sei, porque li no texto que encontrara, é que o
nosso personagem age como se fosse o dono da fazenda: esmurra, diz bravatas,
xinga e tange a boiada para onde lhe aprouver. A bem da verdade, há alguns que
tentam resistir, mas, é bom que se diga, sem muito sucesso.
Certa feita, conta o texto, numa reunião em que os representantes máximos
dos currais se faziam presentes, o mais ilustre e culto deles, pelo que julgo
seja um jurista, disse-lhe, obviamente em conversa particular:
- Excelentíssimo, muito me apraz tê-lo como autoridade máxima dessa
província e julgo de suma importância que um homem de poucos estudos, a exemplo
de nosso presidente, tenha conseguido galgar tão alto posto. Mas se me fosse permitido
dar-lhe um conselho, dir-lhe-ia que Sua Excelência deveria aprender as normas
do bom falar porque assim as exigem as cerimônias próprias da função de
governar.
- Cê quer dizer que tenho que aprender a falar canem voceis.
- Não digo que Sua Excelência precisa abandonar suas raízes e assumir uma
linguagem estranha ao seu meio. O que digo é... veja, por exemplo, o caso de
nosso presidente, como eu lhe disse, ele é um homem que veio do povo, não teve
oportunidade de freqüentar escola, mas ninguém anda troçando com seu falar. Ele
usa uma linguagem, se não digo impecável, mas pelo menos razoável.
- Mas por que a entendida excelência tá puxando essa conversa?
- É que assisti a uma entrevista do nobre governador e não achei muito
apropriada as palavras dirigidas aos tais sindicalistas, se bem que eu também
os menosprezo.
- E como se diz “fiofó” nessa linguagem?
- O quê?!
- Como se diz “fiofó”, home?
- Eu diria ânus.
- E merda?
- Isso é escatológico!
- Esca o quê?
- Não, o que eu quero dizer é que essa conversa é... Vá lá é “dejetos”.
- E pôr pra fora esse troço pelo tal do ânus?
- Expelir.
- Então você acha que eu diria praqueles sindicalistazinhos que eles são
uns expelidores de dejetos. Vejo que de bunda de criança e cabeça de juiz, a gente
não sabe mesmo o que vem. Eles são é um cagão! Cagão!
Elio
Oliveira Cunha
Um comentário:
Eu conheço essa história de algum lugar...
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